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Canonicidade



Antes de iniciarmos, cabe lembrar que já há uma excelente aula em vídeo sobre esse assunto:

https://www.youtube.com/watch?v=oXPSAT5kpKE&feature=youtu.be

Este artigo irá apenas ampliar o assunto abordado e acrescentar mais alguns aspectos.

A questão de quais livros pertencem à Bíblia é chamada de questão canônica, palavra que provém da palavra grega kanon, que, por sua vez, foi derivada do hebraico kaneh, que significa junco ou vara de medir (Apocalipse 21:15). Posteriormente, esta palavra tomou o sentido de norma, padrão ou regra (Gálatas 6:16; Filipenses 3:16). O cânon bíblico seria, então, o rol de livros considerados inspirados, sagrados e considerados dignos de pertencer à Bíblia Sagrada, conforme alguns princípios pré-estabelecidos.

Devemos compreender a formação do cânon bíblico como um processo, e um longo processo. Ou seja, ele não ocorreu de um dia para outro nem foi determinado por uma única pessoa. Em primeiro lugar, é importante lembrarmos que certos livros já eram canônicos antes de quaisquer testes ou princípios de classificação terem lhes sido aplicados. Sendo assim, nem a Igreja nem os concílios eclesiásticos jamais concederam canonicidade ou autoridade a qualquer livro; o livro era autêntico ou não no momento em que foi escrito. As autoridades eclesiais estavam apenas ratificando conclusões que já tinham sido alcançadas pelas comunidades cristãs e apenas reconheceram o cânon que já estava criado.

Tendo dito isso, é preciso esclarecer que o Antigo e o Novo Testamento tiveram processos de formação de cânon diferenciados.

Antigo Testamento

Quase todos os estudiosos deste assunto concluem historicamente que Esdras e Neemias agruparam os livros sagrados do Velho Testamento e fecharam o cânon entre os anos 430 e 420 a.C. Alguns autores mais precisos fixam a data em 432 a.C. O Cânone do Antigo Testamento de 39 livros foi realmente reconhecido e fixado no Concílio de Jâmnia em 90. Esse concílio rejeitou todos os livros e demais escritos, considerando-os apócrifos, ou seja, não tendo evidências de inspiração por Deus e fonte de fé. Embora houvesse muitos debates acerca da aprovação de certos livros, o trabalho desse Concílio foi apenas ratificar aquilo que já era aceito por todos os judeus através dos séculos. Vamos destacar os princípios utilizados para atribuir canonicidade aos Livros do Antigo Testamento:

1) Inspiração divina;

2) Estar em conformidade com a Lei;

3) Ter sido escrito na Palestina;

4) Redigido na língua hebraica (sendo que há apenas alguns trechos escritos em aramaico).

Cabe dizer que estes princípios que regem a canonicidade do Antigo Testamento também foram formulados gradativamente no decorrer do tempo. Mesmo o Novo Testamento auxilia a estabelecer o cânon ao se referir ao Antigo Testamento como escritura (Mateus 23.35; a expressão de Jesus equivaleria dizer hoje “de Gênesis a Malaquias”; cf. Mateus 21.42; Mateus 22.29).

Novo Testamento

Logicamente, a formação do cânon neotestamentário seguiu uma linha histórica diferente. Primeiramente, no período apostólico, os próprios apóstolos reivindicaram autoridade para seus escritos (1 Tessalonicenses 5.27; Colossenses 4.16). Já no período pós-apostólico, todos os livros haviam sido reconhecidos inspirados, exceto Hebreus, 2 Pedro e 3 João, porque não se conhecia claramente a autoria destas cartas. O cânon do Novo Testamento acabou se fixando de forma quase universal no século IV, com Atanásio de Alexandria (325). No ano de 367, Atanásio enviou uma carta estabelecendo a lista dos livros sagrados que deviam ser lidos nas igrejas. Essa lista era exatamente a mesma que contém os atuais 27 livros do Novo Testamento. Porém, o cânon do Novo Testamento só foi definitivamente reconhecido e fixado, quando uma lista idêntica a de Atanásio foi aprovada no Concílio de Cartago em 397. Nesse processo, os princípios a respeito do cânon do Novo Testamento também foram sendo formados. Quais seriam esses princípios?

1) Apostolicidade: O livro deveria ter sido escrito por um dos apóstolos ou por autor que tivesse relacionamento com um dos apóstolos;

2) Universalidade: Quando era impossível demonstrar a autenticidade apostólica, o critério de uso e circulação do livro na comunidade cristã universal era considerado para sua aprovação canônica. O livro deveria ser aceito universalmente pela igreja;

3) Conteúdo do Livro: O livro deveria possuir qualidades espirituais, e qualquer ficção que nele fosse encontrada tornava o escrito inaceitável;

4) Inspiração: O livro deveria possuir evidências de inspiração;

5) Leitura em Público: Nenhum livro seria admitido para leitura pública na igreja se não possuísse características próprias. Muitos livros eram bons e agradáveis para leitura particular, mas não podiam ser lidos e comentados publicamente, como se fazia com a lei e os profetas na sinagoga. É esta leitura que Paulo exorta Timóteo a praticar (1 Timóteo 4:13).

Sempre que se aborda a questão da canonicidade, há dúvidas a respeito de por que um livro está presente na Bíblia e outro não está. Muitos dos questionamentos se concentram no que chamamos de livros apócrifos.

Apócrifos do Antigo Testamento

A palavra "apócrifo" significa “obscuro, escondido”. Ela está associada aos 14 "livros apócrifos" que foram adicionados ao Antigo Testamento pela Igreja Católica Romana, que cria que eles pertenciam ao cânon do Antigo Testamento. Estes livros, que são chamados pela Igreja Católica de Deuterocanônicos (quer dizer “segundo cânon”), foram escritos durante os primeiros séculos antes de Cristo e se inserem no intervalo entre o Antigo Testamento (que terminou aproximadamente 400 a.C.) e o Novo Testamento.

Cabe afirmar que eles não estão na Bíblia Hebraica, ou seja, não eram considerados canônicos pelos próprios judeus. São 14 os apócrifos: Tobias, Judite, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico, Baruque, 1 Macabeu, 2 Macabeu, Ester (acréscimo ao livro Ester, 10.4 - 16.24), Cântico dos três Santos Filhos (acréscimo ao livro de Daniel, 3.24-90), História de Suzana (acréscimo ao livro de Daniel, cap.13), Bel e o Dragão (acréscimo ao livro de Daniel, cap. 14). Estes onze apócrifos foram aprovados pela Igreja Romana em 18 de abril de 1546, no chamado Concílio de Trento, e passaram a fazer parte da Bíblia editadas pela referida denominação. Os demais são: 3 Esdras, 4 Esdras, e A Oração de Manassés.

Há alguns argumentos para que estes livros não sejam considerados canônicos. Podemos dividi-las em razões internas e externas.

Razões externas:

  1. Eles nunca foram considerados canônicos por cristãos e judeus até o Concílio de Trento em 1546, quando foram aceitos pelos católicos, algo que foi uma óbvia reação à Reforma Protestante e uma óbvia reafirmação dos ensinamentos católicos.

  2. Eles não foram citados nem aceitos como cânon por Jesus ou pelos escritores do N.T.

  3. Virtualmente todos os líderes da Igreja do primeiro século rejeitaram a sua canonicidade.

  4. Jerônimo, o grande erudito em língua hebraica e tradutor da Vulgata Latina, rejeitou os Apócrifos, considerando-os como simplesmente instrutivos, mas não canônicos.

  5. Muitos estudiosos católicos romanos, ainda ao longo da Reforma, rejeitaram os livros apócrifos.

  6. Nenhuma igreja ortodoxa grega, anglicana ou protestante, até a presente data, reconheceu os apócrifos como inspirados e canônicos, no sentido integral dessas palavras.

Razões internas:

1. Os Livros Apócrifos não reivindicam ser a Palavra de Deus.

2. Eles não falam com a autoridade de Deus como os livros do Antigo Testamento.

3. Ele contém erros históricos e geográficos (veja Tobias 1:3-5 e 14:11), tais como a suposição de que Senaqueribe era filho de Salmaneser (1 .15) em vez de Sargão II, e que Nínive foi tomado por Nabucodonosor e por Assuero (14.15) em vez de Nabopolassar e por Ciáxares.

4. Ele contém heresias teológicas:

  • Tobias - um anjo engana Tobias e o ensina a mentir. Tobias 5:16 a 19.

  • Eclesiástico - trato cruel aos escravos (33:26 e 30; 42:1 e 5) e incentiva o ódio aos Samaritanos (50:27 e 28)

  • II Macabeus - oração pelos mortos - 12:44 – 46; culto e missa pelos mortos - 12:43; o próprio autor não se julga inspirado -15:38-40; 2:25-27

  • Judite 9:10-13 - aconselham atos imorais.

5. Ele não contém nenhuma profecia e não adiciona nada à esperança messiânica.

I Macabeus confirma isso: "qual não tinha havido desde o dia em que não mais aparecera um profeta no meio deles" (l Macabeus 9.27; 14.41).

Cito como exemplo apenas um trecho do livro de Tobias.

Tobias 6.5-9: "Então disse o anjo: Tira as entranhas a esse peixe, e guarda, porque estas coisas te serão úteis. Feito isto, assou Tobias parte de sua carne, e levaram-na consigo para o caminho; salgaram o resto, para que lhes bastassem até chegassem a Ragés, cidade dos Medos. Então Tobias perguntou ao anjo e disse-lhe: Irmão Azarias, suplico-lhe que me digas de que remédio servirão estas partes do peixe, que tu me mandaste guardar: E o anjo, respondendo, disse-lhe: Se tu puseres um pedacinho do seu coração sobre brasas acesas, o seu fumo afugenta toda a casta de demônios, tanto do homem como da mulher, de sorte que não tornam mais a chegar a eles. E o fel é bom para untar os olhos que têm algumas névoas, e sararão".

Este trecho ensina que o coração de um peixe tem o poder para expulsar toda espécie de demônios e isso demonstra uma grande contradição com a Bíblia.

Apócrifos do Novo Testamento

Para compreender alguns dos livros apócrifos do Novo Testamento, é importante entendermos o que foi o gnosticismo, pois grande parte dos evangelhos que chamamos de apócrifos possui forte influência gnóstica.

O gnosticismo floresceu durante os séculos II e III, cujas bases filosóficas eram as da antiga Gnose (palavra grega que significa conhecimento). Este movimento reivindicava a posse de conhecimentos secretos que, segundo os gnósticos, tornavam-lhes diferentes dos cristãos alheios a este conhecimento. Em seu sentido mais abrangente, o gnosticismo ensinava a salvação por meio de um conhecimento místico e não por meio da fé em Jesus Cristo.

Essa doutrina negava a encarnação de Jesus. Para os gnósticos, Jesus não teve um corpo, isto é, não veio em carne; o corpo seria uma mera aparência. Podemos ver o princípio do combate a essas ideias já no Novo Testamento (leia João 1:4 e 1 João 4:3).

Exemplos de evangelhos apócrifos são o Evangelho de Filipe e O Evangelho de Maria (ambos são textos gnósticos descobertos em Nag Hammadi, no Alto Egito, em 1945). Recentemente, houve certa polêmica a respeito dos evangelhos apócrifos devido ao livro de ficção O Código da Vinci (e o filme de mesmo nome baseado nele também), um romance policial do escritor norte-americano Dan Brown, publicado em 2003, no qual há referências ao Evangelho de Filipe. O interessante é esta polêmica ter surgido em razão de um livro ficcional, sem intenção de ser um registro histórico, mas que suscitou uma relativa curiosidade a respeito da formação da Bíblia.

Dessa forma, e como exemplo, vamos destacar o evangelho de Filipe.

Evangelho de Filipe

Apresenta trechos nos quais Jesus mudava de aparência para conhecer aqueles a quem se revelava. Ele também sugere um relacionamento com Madalena. Afirmava que só as mulheres virgens entravam no paraíso (o que inviabilizaria as famílias). A seguir, um trecho do Evangelho de Filipe:

“Deus é um tintureiro. Assim como os bons corantes chamados de "autênticos" dissolvem-se nas coisas que são tingidas por eles, também o mesmo ocorre com aqueles a quem Deus tingiu. Como seus corantes são imortais, eles tornam-se imortais por meio de suas cores. Pois bem, Deus mergulha o que Ele mergulha na água.”

Podemos observar que os escritos apócrifos, em sua esmagadora maioria, contradizem abertamente todo o ensinamento presente na Palavra de Deus. É nesse sentido que podemos compreender todo o esforço doutrinário empreendido para estabelecer o cânon bíblico. Se observarmos o processo histórico que conduziu ao cânon bíblico, podemos ter a confiança de que o conteúdo presente na Bíblia é o que, de fato, Deus planejou que tivéssemos.


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